terça-feira, 10 de maio de 2011

POESIA E CANÇÃO BRASILEIRA - parte 3


Avançando nessa idéia de procurar a suposta filiação do autor de “O Cão sem plumas”, cheguei ao ponto que é apresentada sua mais que lúcida reflexão sobre composição literária em itens que passo a mostrar através de jogos de oposição:

*Inspiração (espontânea, fácil, instintivo, presença sobrenatural, depoimento, divino, poeta é um ser passivo que espera o poema, cantar, puro jogo de palavras, empobrecimento técnico. Poema se impõe ao poeta. Membro que se amputa, incompleto e incapaz de viver por si mesmo. Poema = Ditado de anjo ou inconsciente);

*Trabalho de arte (elaboração demorada que leve em conta proporção, objetividade, difícil, minúcia obsessiva, atividade material e quase de joalheria, construir com palavras pequenos objetos para adorno das inteligências sutis, pode significar a criação absoluta em que as exigências e as vicissitudes do trabalho são o único criador da obra de arte. Desgosto contra o vago e o irreal, contra o irracional, inefável, contra o misticismo, contra o desgosto pelo homem e sua razão. Poeta se impõe ao poema que é escrito pelo olho crítico. Mais trabalho= mais riqueza. Filho com vida independente. Trabalho em que mais se corta do que acrescenta. Elaboração é fim em si mesma).

Cabral comenta e diz que ambas visam à criação de uma obra com elementos da experiência de um homem, em que prática e domínio técnico tendem a reduzir o que na espontaneidade parece domínio do misterioso e a destruir o caráter ocasional com que surgem aos poetas certos temas ou associações de palavras.

A Bossa Nova sempre que mencionada em comparação histórica, apresenta-se como um dos elementos que mostram a entrada do Brasil na modernidade, junto com Brasília e a chegada da indústria automobilística. Assim, a expressão da zona sul carioca demonstraria musicalmente a definitiva entrada do país naquilo que haveria de mais avançado industrialmente e ao mesmo tempo musicalmente falando, já que nas prateleiras de disco a bossa brasileira era encontrada em seções de Jazz.

Interessa-me sobretudo traçar comparações entre as expressões dos dois autores, um poeta e um intérprete de canções. Entendo que a interpretação no universo da canção, também trata-se de exercício de criação, à medida que o cantor em suas escolhas estéticas envolvendo impostação, figurino, performance corporal, por exemplo, está criando em cima de uma base melódico-harmônica proposta pelo compositor. Assim, a contenção de João Gilberto, apresentando-se de maneira sóbria no tocante ao figurino, sempre no formato banquinho e violão e usando voz suave, indicam uma escolha deliberada por parte do cantor no sentido de valorização de uma norma particular, evitando excessos em diferentes planos de expressão tal como João Cabral de Melo Neto no mesmo período histórico.
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