sexta-feira, 20 de maio de 2011

POESIA E CANÇÃO BRASILEIRA - parte 6


O que importa, nesse percurso histórico da canção no Brasil é entender suas raízes e como se fortaleceu no imaginário popular do Brasil, sendo constantemente mencionada como elemento destacado da construção da identidade nacional ao longo do século XX, sobretudo com o projeto nacionalista de Getúlio Vargas,  já na década de 30 e 40 do século XX, período eminentemente posterior à discussão sobre a nacionalidade proposta pela Semana de 22, conforme abordei no início dessas considerações críticas. Importa ainda estabelecer comparações com a poesia e sobretudo com a reflexão de um autor como João Cabral de Melo Neto, tão centrado em seu ideário estético e sua valorização do trabalho de arte em detrimento da inspiração. Ainda, com João Gilberto, intérprete refinado que pintou novos contornos à interpretação de canções, também fazendo uso da concisão como principal via de materialização estética para o seu trabalho.

            Assim, concluo que a canção e a poesia apresentam aproximações grandes. João Cabral de Melo Neto, um poeta inserido no cânone da Literatura Brasileira, aproxima-se e muito de João Gilberto e o modo cabralino de expressão é ao mesmo tempo bossa novístico no sentido de que evita excessos, evita derramamentos na interpretação, arranjo, figurino, cenário, etc priorizando o trabalho de arte ali contido.

Penso que o cancionista popular corresponde a um cronista, a um poeta, um trovador. O cancionista, compositor ou intérprete popular tem possibilitado que se cante o que em muitos casos o povo não sabia ou estava impedido de falar, escrever, relatar. O compositor, por meio dele mesmo ou de seu intérprete, é possuidor de mais de uma voz. São rimas e ritmos que nos constroem e reconstroem enquanto filosofia e também espaço. Não me parece exagerado afirmar que se o povo não teve acesso facilitado a livros, cinemas e partituras, tem a capacidade de ouvir. Além de acessar as canções por meio dos aparelhos de som, do rádio e da televisão, as festas também são,   momentos de propagação de música e poesia, à medida que a canção propõe tal casamento.

Sendo servida aos amigos nas mais diversas cerimônias, já que não há festa sem música, defendo e aponto o quão exposto e coletivizado o gênero é. Assim, talvez seja chegada a hora de pensar na Função Moderna da Canção. E ainda, na possibilidade de ensinar Literatura fazendo uso da canção, para muito além das ilustrações eventuais via aparelho de som em sala de aula. Falo de uma proposta que possa levar alunos a reconhecerem gêneros literários através da leitura comparada de crônicas, contos, poemas e poesias sempre à luz de canções. Em tal percurso o conhecimento sobre a genealogia da canção pode servir de elemento comparativo ainda à tradicional classificação literária que aparece nos manuais de Literatura. 

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