sábado, 23 de junho de 2012

Arena Socioambiental = resistência cultural na Rio+20


Os principais temas da ArenaSocioambiental estiveram costurados à programação do Palco #SonoroBrasil. O intenso pulsar do Patubatê, a experimentação do Trio Somos, a ancestralidade do canto de Marlui Miranda e dos índios suruí, a luta e a poesia de Marcelo Yuka, a diversidade do tambor negro que vem dos pampas, a inclusão gerada pelo Trem Tan Tan, a coragem das Encantadeiras de Coco e a força das favelas brasileiras na música de DJ MAM foram os laços da forte amarra de uma colcha de retalhos que é retrato do futuro defendido pelos povos na Rio+20.

A programação do espaço de diálogo do governo brasileiro com a sociedade civil na Rio+20 contou com uma agenda de shows tão plural quanto seus debates. Durante os intervalos dos Encontros Globais, sete apresentações alinharam uma costura entre a diversidade cultural brasileira e os temas debatidos na Arena. O Palco #Sonorobrasil teve força artística e poesia para lotar o espaço durante toda a semana e a transmissão ao vivo pelo site atingiu cerca de sete mil pessoas a cada dia.
Para Marcelo Yuka, não teve ponto sem nó. “A minha carreira se confunde com o que foi debatido aqui. A cultura não é apenas a maneira como a gente se expressa, ela é o teto muito maior onde está a nossa proteção. Não existem atitudes isoladas, eu costumo dizer que toda questão ambiental é uma questão socioambiental. As músicas que toquei aqui não só tem a ver, como cresceram com isso. Eu estava na ECO92 e foi quando comecei a compor, eu me tornei artista no momento em que estes temas cresciam. Eu sou fruto dos movimentos de organização civil. E o melhor que podemos tirar de toda a Rio+20 é o poder de pressão da organização civil porque eu não tenho muita esperança com o que vai acontecer lá fora, diplomaticamente”, disse o artista.
Em show visceral e político, Marcelo Yuka, Amora Pêra, Jomar Scharm, Daniel Conceição e Bagão tocaram para uma Arena lotada e em clima ora introspectivo, ora carregado de animação. No espaço montado ao lado do Museu de Arte Moderna, junto à Cúpula dos Povos, o Palco representou justamente o teto da cultura que protege, resgata origens sonoras ou até mesmo cria um som contemporâneo em experimentações impregnadas de brasilidade. Durante os sete dias, artistas e ativistas populares de diferentes regiões do país apresentam-se em performances que compuseram um mosaico multicultural poucas vezes visto. Os músicos brasilienses do Patubatê Fernando Mazoni, Fred Magalhães, Gustavo Lavoura e Leandro Ferrer animaram o público com latas, panelas de feijoada, caçarolas, tonéis e sucatas em geral. A importância dos catadores de material reciclável na discussão de um novo urbanismo para o Brasil foi pauta importante dos debates da Arena.
A dignidade, outra palavra que esteve nas bocas e ouvidos de debatedores e público, foi traduzida em música e festa pela parceria entre Babilak Bah e Trem Tan Tan. Há cerca de 10 anos, o grupo musical formado por cidadãos em sofrimento psíquico participantes dos Centros de Convivência da rede de saúde mental da Prefeitura de Belo Horizonte lançou seu primeiro CD. Desde então, o grupo se apresenta em shows na cidade e outros estados com participação em importantes projetos musicais como o Loucos por Música em Salvador, o Festival da Loucura em Barbacena, o Fórum.doc em BH e a Marcha dos Usuários à Brasília.
Simone Sou e Marlui Miranda trouxeram para o Palco toda a ancestralidade indígena e a força contida em seus cantos e instrumentos. O Trio Somos, composto por Simone Sou, Camila Lordy e Clara Bastos apresentou temas instrumentais somados ao canto, a timbres sutilmente eletrônicos e a sons de percussão, embalados por teclado, acordeon e contrabaixo. O Trio começou um projeto com os índios Cariri-Xocó em 2012. “Fizemos um trabalho voluntário sobre lixo na aldeia, recrutando a comunidade em um grande mutirão de limpeza, pois eles sofrem com isso, sem nenhuma orientação e coleta, já que é uma aldeia urbanizada. Há problemas com plástico, vidro e lata, é muito sério. No show, trouxemos a poesia e a indignação em relação a acontecimentos como este”, alinhavou Simone.
Cantos de diversos grupos indígenas do Brasil adaptados e arranjados por Marlui Miranda animaram a Arena Socioambiental, percorrendo um caminho muitas vezes inédito que se consolidou pela importância dada ao caráter preservacionista do projeto musical de Marlui, que se dedica desde 1974 à pesquisa de tradições musicais dos povos da Amazônia. Joaton Pagater, que trabalha com revitalização da língua e da cultura da etnia suruí, resumiu: “Estamos num  encontro intercultural, um espaço democrático. Somos o povo indígena do Brasil, guardiões do meio ambiente. Eu, como professor indígena, penso que sem educação não se pode preservar o meio ambiente”.
As Encantadeiras de Coco emocionaram a todos com cantos que reúnem luta, trabalho, coragem e alegria. O grupo é formado por oito mulheres quebradeiras de coco babaçu dos estados do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins. “Eu fui criada em uma sociedade onde a mulher não tinha espaço. A mulher não tinha direito de sair, se casava e ia cuidar dos filhos, do marido e das panelas. Não tinha direitos. Com o passar do tempo, fomos descobrindo com as companheiras que o nosso lugar não era só na cozinha cuidando da comida e do marido e que nós tínhamos que cuidar da sociedade que estava lá fora. Quando falamos da coragem, é de dizer para a sociedade que nós éramos mulheres e que precisávamos ser valorizadas e respeitadas”, disse de forma emocionante Francisca Lera, quebradeira de coco babaçu de 72 anos.
Segundo DJ MAM, a costura de tantos diálogos também tem um nó forte com o funk das comunidades cariocas. “A Batalha do Passinho é um projeto muito interessante que acontece nas comunidades aqui do Rio de Janeiro, o funk para a cultura nacional é muito importante. Você incluir isso numa programação é incluir o artista, e de alguma forma a comunidade dele, com arte. Os dançarinos do Passinho são pura inclusão, antropofagia pura. A criança que muitas vezes estaria exposta a armas, à violência e à precariedade tem a oportunidade de estar no palco se expressando. Minha esperança é que através da arte a gente consiga mudar a realidade. Podemos ser ativistas, fazer musica de protesto, mas acredito que a gente pode criar sensações que modifiquem o olhar sobre as coisas. É trazer para o onírico a fim de voltar para a realidade com maior cuidado”, sublinhou DJ MAM.
Richard Serraria, que apresentou o resgate do tambor do sopapo ao público do Palco, resumiu a sensação desta reunião inédita e diversa. “A diversidade que esteve representada no Palco durante esta semana representa também a diversidade que vemos aqui no Aterro do Flamengo. Você sai caminhando e vê a Banda de Pífanos tocando aqui ao lado, mais na frente os quilombolas e seus tambores, depois os índios. Vai na rádio comunitária da Cúpula dos Povos e ouve música da Argentina, do Uruguai e da Bolívia. Falou-se bastante em sustentabilidade e sustentabilidade na música para mim é isso, é diversidade. É  um instrumento quase em extinção como o sopapo, as Encantadeiras de Coco, é o Babilak Bah, o Patubatê, a Simone Sou, Marlui Miranda e os índios suruí. A Arena Socioambiental foi um espaço de resistência cultural na Rio+20”, concluiu.

 Publicado originalmente em http://arenasocioambiental.org/?p=2282

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