sábado, 4 de junho de 2011

Quando a madrugada nasce fria e o ventre livre da criação

Não se trata de novidade a ideia de que a canção (na forma como se configura no Brasil ao longo do século XX) é um gênero literário e para tanto serve a percepção de que num país dito como "iletrado" a canção cumpre importante papel no sentido de ocupar esse espaço do primeiro contato com a literatura. Observo em oficinas de letra de música que jovens quase não tem acesso à literatura clássica, mesmo aquela proposta enquanto leituras obrigatórias do vestibular da UFRGS por exemplo. Todavia sabem de cor letras kilométricas de Legião Urbana (Faroeste Caboclo) ou Racionais MCs (Diário de um Detento), dentre outras, e tal conhecimento além de poder servir de porta de entrada para conhecer os ditos autores eminentemente "literários" acho que já é um contato com tal universo. Daí para apresentar tais relações no espaço de sala de aula (veja na aba desse blog a indicação OFICINAS) vai um bom caminho, pensando no papel de Gregório de Matos por exemplo na Bahia do período colonial, passando pela Viola de Lereno e chegando ao século XIX e ao Rio de Janeiro de Machado de Assis mas também de Ernesto Nazareth. A canção enquanto organismo mestiço: local onde se encontra a poesia e às vezes a crônica, o ditado popular com a máxima e o aforismo, a gíria e a variação dialetal regional, elementos revestidos de melodia e conduzidos na maior parte das vezes no tampo de pinho de um violão. A canção enquanto mesa de bar onde conversam João Guimarães Rosa, João Gilberto, João Cabral de Melo Neto e Tom Jobim, o cancionista e seu parentesco próximo do poeta ou contador de histórias, ambos habitando a mesma casa em cômodos contíguos, nascidos do mesmo ventre livre.

Foto de Ane Franke, Oxumaré na beira do Guaíba na praia de Ipanema, Porto Alegre

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